Heitor: uma emenda pior que o soneto
14 setembro 2021
Diário de Notícias - Uma das coisas de que falou foi da abertura de novos cursos de Medicina. Neste último ano e meio de pandemia tem sido muito discutida a possibilidade de os recém-licenciados em Medicina terem de cumprir um determinado número de anos em exclusividade no SNS. Acha que deveria existir essa exclusividade?Manuel Heitor - Acho que não se deve obrigar ninguém a trabalhar num regime ou no outro. Mas do que estamos aqui a falar é do ponto de vista do utente e parece-me que hoje é claro que são precisos mais médicos em Portugal. Mas o alargamento da capacidade de formação faz sentido se for feito juntamente com a diversificação da oferta. Isto foi algo que nas áreas das Engenharias, das Tecnologias e até das Ciências Sociais e da Economia já foi feito há muito tempo. Algumas áreas, mais por interesses corporativos, não diversificaram a oferta. Vê-se que nós em Portugal, por opção das próprias instituições e também das ordens profissionais, formamos todos os médicos da mesma forma. Se for ao Reino Unido o sistema está diversificado, sobretudo aquilo que é a medicina familiar, que tem um nível de formação menos exigente do que a formação de médicos especialistas. Penso, sempre em articulação com as ordens profissionais e sobretudo com as instituições, que o alargamento na formação médica e biomédica tem de ser feito usando as experiências internacionais de diversificação dessa oferta. A questão é que para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter o mesmo nível, a mesma duração de formação, que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais. E, por isso, insisto que o alargamento da base de formação na saúde - quer médica, quer de técnicos saúde, quer de enfermagem - deve ser feito em articulação com a diversificação da oferta, valorizando também outras profissões médicas, como, por exemplo, os médicos de família, que sabemos que na nossa sociedade, e sobretudo no sul da Europa, não são tão valorizados como outras especialidades. Estes são problemas que não dependem apenas do sistema de formação, são problemas complexos de valorização social e económica das diferentes profissões. E, por isso, é um processo que exige um esforço coletivo e uma mobilização. Não se fazem reformas contra as pessoas, não se fazem reformas contra as instituições, e é preciso abrir certamente cada vez mais um processo de discussão.