A dificuldade no acesso a consultas nos Centros de Saúde é o resultado prático e visível da política seguida pelo Ministério da Saúde nos últimos anos de ignorar a enorme sobrecarga dos Médicos de Família, agora enormemente aumentada com a atribuição de inúmeras novas tarefas no contexto da pandemia de COVID-19.
Repetidamente os sindicatos médicos alertaram que a atribuição de 1.900 utentes a cada Médico de Família é incomportável, resultando inevitavelmente em uma de duas situações: utentes sem consulta em tempo útil ou trabalho extraordinário invisível, não remunerado, por parte dos Médicos de Família para tentarem dar resposta a todos os pedidos de consulta.
A brutal sobrecarga dos Médicos de Família, persistentemente acima da sua capacidade de agenda em situações normais, resultou agora na evidente e inevitável incapacidade de responder rapidamente a todos os pedidos, em consequência das inúmeras novas tarefas que lhes foram atribuídas no contexto da pandemia de COVID-19.
A título de exemplo,
durante o mês de julho de 2020, os Médicos de Família portugueses fizeram quase um milhão de consultas não presenciais a mais do que em igual período do ano passado.
Só durante esse mês os Médicos de Família fizeram mais de 1 milhão e 700 mil consultas não presenciais, tipologia esta de consulta de acordo com o estabelecido pelo
Despacho n.º 5314/2020, de 7 de maio de 2020.
Os Médicos de Família assim estão neste momento em sobrecarga ainda maior do que a dos anos anteriores, muito próximos do limite da exaustão, por estarem confrontados com a necessidade de:
- realizarem as consultas habituais aos seus doentes;
- realizarem as consultas em atraso do período de confinamento;
- realizarem as consultas a doentes de outros Médicos de Família que estão deslocados para Áreas Dedicadas à COVID-19;
- realizarem consultas a mais de 1 milhão de doentes sem Médico de Família;
- seguirem os doentes com COVID-19;
- seguirem os doentes suspeitos de COVID-19;
- responderem a contactos telefónicos de doentes que não conseguem consulta presencial em tempo útil em consequência das tarefas anteriormente elencadas;
- responderem a emails de doentes que passaram a optar por esta via de contacto.
A agenda dos Médicos de Família não tem espaço para todas estas tarefas. A manta não estica por mais que o Ministério da Saúde faça por ignorá-lo.
O Ministério da Saúde persiste em não assumir a sua responsabilidade nas consequências da atribuição de mais tarefas aos Médicos de Família, que inevitavelmente limitam o tempo dedicado às consultas presenciais.
Os Médicos de Família estão hoje a responder a centenas de telefonemas, emails e outros contactos não presenciais por semana, a fazer telefonemas a utentes com COVID-19 e a fazer dezenas ou centenas de telefonemas a utentes suspeitos de COVID-19, ao mesmo tempo que recuperam a atividade de consultas presenciais.
A resposta do Ministério da Saúde é a prova máxima da incompetência: promete
30 mil telemóveis para os Centros de Saúde. Sim, é verdade que os profissionais dos Centros de Saúde têm de utilizar os seus telemóveis pessoais para contactar os seus doentes. No entanto, a sobrecarga atualmente existente manter-se-á absolutamente inalterada com mais ou menos telemóveis.
É devastador para os Médicos de Família a incompetência e incapacidade do Ministério da Saúde de perceber e resolver os problemas que estão na origem das dificuldades de acesso dos doentes à consulta.
Como é evidente o Ministério da Saúde terá de atribuir menos tarefas a cada Médico de Família ou contratar mais Médicos de Família, libertando assim tempo para a realização de mais consultas presenciais.
Desde logo,
as centenas de contactos telefónicos a utentes suspeitos de COVID-19 ou utentes com COVID-19 sem critérios de gravidade deviam ser asseguradas por equipas de profissionais de saúde contratados para o efeito. Exigir este trabalho aos Médicos de Família ao mesmo tempo que se lhes exige as consultas presenciais habituais, não é razoável.
As Áreas Dedicadas à COVID-19 (ADC) devem ter um quadro de médicos próprio. O Ministério da Saúde teve meses para fazer essa contratação. O cenário atual de deslocar Médicos de Família dos Centros de Saúde para as ADC ao mesmo tempo que se exige que os doentes desses Médicos de Família tenham consulta nos Centros de Saúde, não é razoável.
Os Médicos de Família não aceitarão ser o bode expiatório da incompetência do Ministério da Saúde e persistirão na denúncia de todas as situações que colocam em risco a atividade clínica aos seus doentes.
Comunicado: Centros de Saúde não estão fechados, estão a rebentar pelas costuras