Desabafo de uma Médica Interna enviado ao SIM:
«Sr. Ministro, sou médica interna e estou cansada. Não estou só cansada, estou muito cansada. Estou exausta. Sinto-me à beira do colapso, sr. Ministro.
No outro dia estava de urgência e elogiaram-me "rápida e eficaz”. E eu desabei, sr. Ministro.
Comecei a chorar compulsivamente.
Perguntavam-me o que se passava. E só conseguia responder que estava exausta.
À volta não ficaram surpreendidos.
Sr. Ministro, nós os clínicos estamos à beira do precipício. Os internos esses que são os autênticos burros de carga, desculpe a expressão, estamos no nosso limite.
Estamos cansados, estamos insatisfeitos, estamos escravizados. E o Sr. Ministro sabe, ou devia saber.
Sr. Ministro, nós os médicos temos horários de 40 horas semanais ao contrário de toda a função pública, que tem 35h.
Nós os médicos, não trabalhamos 40 horas semanais. Porque ao contrário do resto do pessoal hospitalar nós não somos substituídos por turnos. Só mesmo no dia de urgência, a rendição chega ao fim de 12h, 18h ou 24 horas. Nos outros dias a rendição não chega.
Em todos os outros dias, se p.e. o nosso horário é até às 13h, mas ainda há consultas para fazer, nós não vamos embora com o doente sentado à porta no nosso gabinete, sr. Ministro.
Nós ficamos. E ficamos até às 14h, 15h, 16h sem almoçar se for preciso. Mas ficamos até acabar as consultas.
Ficamos nesse dia.
E ficamos nos dias seguintes também.
E estamos cansados.
Trabalhamos para além das horas e você sabe.
Estamos cansados e você sabe.
Tanto quiseram inserir o Sisqual no SNS que agora ele não nos deixa mentir. Temos bolsas de horas a crescer e a crescer e crescer, 40h, 80h, 100h, 300h, 400h. Lá no Sisqual. À espera de um problema informático para ficarem a 0. Porque nós, nós não as utilizamos, é quase vergonhoso ir pedir folgas pela bolsa de horas, sr. Ministro. Nunca é da conveniência do serviço que tiremos folga, claro está.
Nós os internos hospitalares trabalhamos facilmente 50h/60h semanais de clínica. E você sabe.
E depois…e depois vamos para casa fazer trabalhos.
Como também bem sabe, temos currículo obrigatório e mínimo a cumprir. Temos capítulos de livros para fazer, pósteres, comunicações, publicações para fazer a nível nacional e de preferencia a nível internacional também. Para levar o trabalho médico feito em Portugal além fronteiras.
Se não somos a classe que mais publica, não sei qual será.
Parece que há classes na função pública que têm horário semanal para preparar aulas, avaliar alunos, etc…nós não temos, sr. Ministro. Todos as nossas preparações/avaliações, publicações ocuparam o nosso tempo de hobbie, de lazer, Sr. Ministro. Zero euros/hora é o pagamento.
No ultimo mês e meio tive uma tarde livre, Sr. Ministro. Dos 45 dias, uma tarde. Não há sábados, não há domingos, não há sair do hospital e ir descansar. Há trabalhos, há burocracias no próprio serviço que é não clínico mas que tem de ser feito por médicos num horário que não temos no nosso horário, sr. Ministro.
No final do mês tenho na conta 1300 euros, sr. Ministro.
Todos os anos pagamos 200 euros de Ordem dos Médicos + Seguro de Responsabilidade Civil entre 90 a 600 euros anuais (depende da Especialidade), Sr. Ministro.
Um dos nossos ordenados é quase pra pagar a autorização para trabalharmos, sr. Ministro.
Não contando com os cursos de formação que temos de fazer e que passamos a vida a mendigar às farmacêuticas que nos paguem, por favor.
Cada vez com mais frequência a resposta é Não. E lá tiramos mais uma fatia de ordenado para a nossa formação. Em vários meses do ano.
Não estamos todos no limite, sr. Ministro.
Também há os médicos que já passaram esse limite. E você sabe. Terá com certeza esses números assustadores de depressão, de suicidio, de morte prematura tão mais acentuada em médicos do que no resto da população. Porque será Sr. Ministro?
A saúde de quem cuida da saúde está má, Sr. Ministro.
Qual será a etiologia, Sr. Ministro?»